quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Vestibulares insuficientes

Os problemas do Enem nos mostraram a dificuldade de se realizar um exame vestibular com alcance nacional. É quase impossível garantir a lisura do processo com milhares de pessoas envolvidas e com prova uniforme, ainda mais com os meios eletrônicos disponíveis que permitem a rápida transferência de questões vazadas. Assim é temerário realizar o exame em dois dias, e apenas uma vez ao ano.

O melhor caminho seria realizá-lo com prova de um dia, mas pelo menos duas vezes ao ano e com prova regionalizada, o que evitaria fraudes no nível nacional. Os organizadores do Enem-2010 parecem ter falhado ao não possuir um “Plano B” na manga.

Selecionar nunca é tarefa fácil, ainda mais com escassez de vagas. Quando a ação é obrigatória, entretanto, deve-se pensar a seleção de maneira ampla e benéfica não só para a universidade e os estudantes, mas para a sociedade como um todo.

A partir disso, percebemos que os vestibulares ainda cumprem papel bastante precário e parcial. Se por um lado estimulam estudantes a se prepararem teoricamente, o que é bastante positivo, por outro desprezam a questão da formação, ao não considerarem as práticas cidadãs como critério.

Imaginem o impacto na vida dos estudantes se os vestibulares exigissem como “currículo” ações em defesa do meio ambiente, obras sociais em asilos e orfanatos e participação em campanhas de prevenção de doenças.

Com melhor base ética, evitaríamos surpresas como o “rodeio das gordas”, quando alguns estudantes universitários resolveram “montar” alunas durante uma festa. Não precisaríamos ver ainda a terrível cena do calouro de medicina da USP, afogado em trote absurdo.

Outra reclamação justa dos estudantes é a quantidade de conteúdos exigida e o tempo pequeno para a solução de questões. Por exemplo, a Unicamp em sua primeira fase, além de 48 questões objetivas, exigiu três redações numa única tarde!

Os vestibulares ainda engatinham no que se refere às interessantes práticas pedagógicas da interdisciplinaridade, mantendo as matérias em “gavetas”. Promovem ainda a decoreba e forçam a solução de perguntas exóticas. Ali também não há lugar para a emoção ou companheirismo.

Justiça seja feita, às vezes, o problema é mais do número de vagas do que do vestibular em si. É o caso da dificuldade para se cursar medicina, em contraste com a gritante falta de médicos em nosso país. Os pacientes morrem nos corredores e muitos estudantes capacitados não conseguem estudar medicina para salvá-los.

Mesmo com o quadro citado, devemos manter a esperança de que atingiremos a educação do ponto de vista global. Educação que traga conhecimento e amor, que una famílias e escolas e que produza o engajamento efetivo de professores e estudantes.

Assim, os vestibulares devem ter como norte mais do que a seleção para a universidade. Devem fazer parte de um projeto para uma sociedade melhor, capaz de menos decoreba e mais entendimento, inclusive de si própria.


(O autor é professor de Geografia/Geopolítica e coordenador de projetos socioambientais. E-mail: dalberto@vivax.com.br)

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